A Formação do Dogma: Oriente e Ocidente (Herman Bavinck)


A dogmática surge da reflexão sobre a verdade da Escritura. Essa não é a tarefa de indivíduos, mas de toda a igreja. Contra Harnack, o dogma não é o produto da helenização e, assim, um grande erro. Harnack simplesmente tem uma interpretação diferente daquela mantida pela igreja histórica sobre a essência do Cristianismo: se Harnack é demasiadamente negativo sobre a história do dogma, o Catolicismo Romano comete o erro oposto, dando à tradição um status quase equivalente ao da Escritura. A Reforma não subestimou nem superestimou a tradição, mas distinguiu entre tradição falsa e verdadeira e insistiu na necessidade do discernimento baseado na Sagrada Escritura. A tradição da Reforma diz respeito ao desenvolvimento do dogma na história da igreja.
A igreja primitiva articulou seus dogmas em escritos epistolares e credos simples. Durante o tempo dos apologetas, no século 2º, a oposição enfrentada pelos cristãos pressionou a igreja a uma reflexão mais profunda e a uma defesa mais sofisticada da fé. A maior parte dos argumentos perenes lançados contra o Cristianismo foi desenvolvida no 2º século. Os cristãos letrados, como Justino Mártir e, mais tarde, Irineu, usaram as ferramentas de seu treinamento intelectual para defender a fé contra movimentos como o Gnosticismo e ajudaram a criar um vocabulário e uma visão de mundo cristãos. Alguns, como Tertuliano, foram antiteticamente opostos à tradição filosófica grega, enquanto a escola de Alexandria adotou sua linguagem. Para Clemente e Orígenes, a fé cristã era uma forma de gnose e Cristo era o grande pedagogo. Aqui o Cristianismo veio a ser entendido primariamente como um conjunto de ideias. Motivados primariamente por interesses apologéticos e polêmicos, os fundamentos da teologia cristã estavam estabelecidos por volta do fim do 3º século. No entanto, o terceiro e o quarto séculos foram tempos de grande controvérsia sobre doutrinas como a unidade de Deus e a divindade de Cristo.
Com o Edito de Tolerância (a. D. 313), a pressão externa foi substituída pela pressão interna da heresia na igreja. Os maiores desenvolvimentos dogmáticos, especialmente na cristologia, aconteceram no Oriente. Embora os debates cristológicos tenham vigorado do 4º ao 8º século, a necessidade de catequese levou a numerosos tratados sobre uma ampla variedade de tópicos - Deus, cosmologia, antropologia e questões morais, como a virgindade. As obras dogmáticas mais importantes durante esse período foram os escritos de Pseudo-Dionísio e as obras do sumário ortodoxo de João de Damasco. O damasceno foi também um forte defensor da veneração de imagens, um elemento-chave e controvertido do Cristianismo Ortodoxo do Oriente.
A teologia ocidental focalizou temas diferentes. Enquanto, para o Oriente, a ênfase predominante estava na libertação da humanidade da corrupção do pecado para sermos participantes da natureza divina, o Ocidente enfatizava temas legais, como obediência, culpa e perdão. A morte de Cristo, em vez de sua encarnação, era o centro de gravidade. Isso deu à igreja do Ocidente um impulso agressivo de conquista do mundo. Apesar de todas as diferenças, os dogmas da igreja do Ocidente descansavam pesadamente sobre a obra pioneira feita anteriormente no Oriente.
E na obra magistral de Agostinho que a obra dogmática do Ocidente e do Oriente encontra seu ápice. Em particular, a ênfase de Agostinho sobre a graça e sua interpretação da igreja deixaram uma marca indelével. Um sinal da importância de Agostinho para a igreja é que toda reforma volta a ele e a Paulo. A outra grande figura desse período é o grande teólogo pastoral Gregório I. Ao caminhar para o fim do primeiro milênio, deve-se fazer menção da importância dos monastérios e das escolas para a conservação da ortodoxia. Depois das trevas do século 10, a vida monástica reformada ajudou a criar as condições para os grandes teólogos escolásticos, como Alberto Magno, Tomás de Aquino e Boaventura. A teologia escolástica foi a tentativa, com ajuda da filosofia, de obter conhecimento cientifico a partir da verdade revelada. O escolasticismo também provocou divergência entre teólogos como Duns Scotus e o surgimento do nominalismo. O importante papel de Pseudo-Dionísio também levou a uma forma mística de teologia escolástica.

Extraído de BAVINCK. Herman. São Paulo, Cultura Cristã: 2012. p. 115-116

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