Resumo: O Anticristo - NIETZSCHE
Bibliografia:
NIETZSCHE.
Friedrich Wilhelm. O Anticristo: ensaio de uma crítica sobre o cristianismo.
1895. Trad. André Díspore Cacian. 2002. Versão digitalizada.
O livro tem como objetivo mostrar como o
Cristianismo foi e continua sendo prejudicial para o homem. Além disso, procura
ensaiar o início de uma nova etapa em que os todos os valores morais
construídos até então seria descartados para a construção de novos valores
visando a formação de um novo tipo de homem, dessa vez, sem a influência da
religião cristã. As primeiras palavras
do capítulo I demonstram a tentativa de uma nova definição daquilo que é mau e
bom. Este estaria relacionado a tudo que aumenta o poder no homem, enquanto
aquele se refere a tudo que produz fraqueza.
O Diagnóstico feito por Nietzsche é bem claro:
o Cristianismo não permitiu que um tipo mais elevado de homem nascesse. Através
das noções de pecado, tentação e culpa, o homem ficou preso as amarras que lhe
impediram de ter um progresso no sentido evolutivo do termo. Ao invés disso, o Cristianismo fez com que se
exaltassem homens e coisas do tipo mais baixo e fracassado e, consequentemente,
sufocaram-se os de tipo mais elevado e nobre. Os valores vindos a partir dessa
perspectiva são chamados pelo autor de Décadence, para dizer que os valores da
humanidade as quais vem se baseando são
valores de decadência.
Mas como o Cristianismo fez isso? Segundo o
filósofo, através da compaixão. Para Nietzsche, a compaixão é o legado mais
pernicioso que o Cristianismo deu ao homem. Segundo ele, ela atinge o homem em
dois aspectos: 1) enfraquece-o, de forma que multiplica o seu sofrimento e; 2)
contrariando a lei da seleção natural, em que os mais fracos vão sendo
eliminados, ficando apenas os mais fortes.
Para o autor, a compaixão deveria ser relegada a raiz das fraquezas. No
entanto, o cristianismo a colocou como a base para todas as outras virtudes.
Para realizar a tarefa de aniquilar o
cristianismo e seus valores e, assim, fazer
a construção de novos valores para a emancipação do homem enquanto ser,
Nietzsche declara que haverão adversários a serem enfrentados. E quais seriam
eles? Nas palavras dele, são “os teólogos e tudo que tem sangue teológico
correndo em suas veias” (p. 08). Para o autor, são eles os responsáveis por
fazer com que valores verdadeiros se tornem falsos e vice-versa. A seu ver, os
teólogos possuem a arrogância de se acharem superiores a própria realidade e,
assim, olhá-la com desdém. Assim, estabelecem conceitos fora da realidade, como
“Deus”, “salvação”,“eternidade”,
fechando-se para qualquer outro tipo de visão. A esse fechamento e a convicção
cega nos conceitos citados é que o autor dá o nome de Fé.
Para o autor, a teologia gera também outra
compreensão equivocada: a de que o homem seja a coroa da criação. Nietzsche
nega essa proposição, porém, afirma que o homem, embora não seja o mais
evoluído, é, sem dúvida, o mais interessante dos animais.
Outro prejuízo que a teologia causou, foi em
relação a filosofia alemã. O avô desta, segundo o autor, é o pastor
protestante. Ele entende que a mesma arrogância vista no teólogo pode também
ser observada no “idealista”. Dessa forma, conclui que foi o protestantismo o
grande responsável pela formação filosófica alemã. A representação disso se
daria pela “Escola de Tübingen”, famosa por sua cátedra de teologia e por onde
passaram filósofos como Hegel e Johannes Kepler.
A crítica de Nietzsche a filosofia alemã se
estende a um de seus principais ícones: Kant. Ele dedica cerca de dois
capítulos a isso. Para o autor, o conceito de imperativo categórico fundamental
por este formulado (segundo o qual o homem deve procurar agir de tal maneira
que o motivo que o leve a agir se transforme em uma lei universal) constitui um
perigo à vida já que “Uma nação se
reduz a ruínas quando confunde
seu dever com o conceito universal de dever” (p. 11). Segundo o autor, foi
graças a proteção recebida pelo instinto teológico que garantiu a sobrevivência
e desenvolvimento das idéias de Kant, fazendo com que esse se tornasse o
filósofo alemão por excelência.
Tendo abordado sobre os adversários a
construção dos novos valores da sociedade pós-cristã, dando ênfase especial
à filosofia alemã, o autor volta a tecer
críticas em relação ao cristianismo. Dessa vez ataca a falta de contato com a realidade
que a religião cristã possui ao propor conceitos como Deus, alma, pecado, salvação,
punição, graça, reino de Deus, juízo final, dentre outros. Tais conceitos distanciam,
o homem da vida real, fazendo com que até mesmo os sonhos possuam maior
vantagem, por serem um reflexo da realidade.
Neste sentido, Nietzsche propõe uma crítica a
própria concepção cristã de Deus. Para ele, um Deus que se rebaixa para olhar
os mais doentes, não se encaixa na ideia de um ser eterno e glorioso em si
mesmo. Portanto, o cristianismo é uma religião que favorece o nada, que nega a
vida.
Diante disso, não só o Cristianismo, mas
todas as religiões consideradas pelo autor como “niilistas” são prejudiciais.
Contudo, ele procura fazer uma ressalva com relação a uma delas e, até certo
ponto a exalta, quando comparada com o cristianismo. Trata-se do budismo. Para
Nietzsche, esta é uma religião niilista pois está veiculada aos valores da
decadência humana, ou o termo que o autor usa, décadence. Contudo, o autor se
encarrega de distingui-la do cristianismo. Primeiramente, o budismo
é bem mais realista, pois procura tratar
da relação do homem com o sofrimento, ao
invés da concepção cristã de luta contra o pecado. Além disso, o autor cita
dois fatores em que o budismo procura dar mais atenção. São eles (p. 17):
“primeiro, uma
excessiva sensibilidade à sensação que se manifesta
através de uma refinada suscetibilidade ao
sofrimento; segundo, uma extraordinária espiritualidade, uma preocupação muito
prolongada com os conceitos e com os procedimentos lógicos, sob a influência da
qual o instinto de personalidade submete-se à noção de “impessoalidade”.
Por fim, o autor destaca para quais tipos de
pessoas cabem o cristianismo e o budismo. Este, para aqueles mais avançados em
seu desenvolvimento, sendo assim para os estágios finais da civilização.
Aquele, para os mais baixos e fracos dos homens, para aqueles que fazem parte
do início da civilização.
Após fazer essa ressalva em relação ao
budismo, não o tornando assim parte da sua crítica, o autor se volta para o
cristianismo, agora para analisar a sua origem, ou a psicologia do Salvador.
Para Nietzsche, este nada mais é do que uma extensão do judaísmo. Todos os valores e características de um
estão no outro. Assim, o autor considera o povo
judeu o “mais funesto de toda a história universal” (p. 21).
O autor aborda a questão histórica de Israel
como chave para entender a deturpação que o judaísmo fez através da
falsificação de conceitos. Um dos
exemplos que utiliza é a questão da moral. Tanto no Judaísmo como no cristianismo,
elas são parecidas, pois em ambas há o conceito da deturpação pelo pecado. Com
isso, o autor entende que a moral passou de um ambiente voltado as condições de
realidade para um plano abstrato e desconexo com o real, já no judaísmo,
estendendo-se e ampliando-se no cristianismo. Tal ampliação, segundo o autor,
serviu para crescimento e sustentação dos valores cristãos em cima de outros
valores. Dessa forma, o poder estaria nas mãos da cristandade.
Para o autor, grande conteúdo do Novo
Testamento foi modificado, principalmente os evangelhos. Diante de um cenário
de perseguição e perspectivas de crescimento, os primeiros cristãos, precisavam
de ideias que pudessem lhe ajudar a manter esperança na
vida. Por isso, eles fizeram a introdução de conceitos, tais como a volta de
Cristo e o juízo final. No caso da doutrina da salvação, o autor enxerga duas
realidades fisiológicas que deram a base para o seu desenvolvimento.
São elas: 1) O ódio instintivo
contra a realidade; 2) A exclusão instintiva de toda aversão, toda
hostilidade, todas as fronteiras e distâncias no sentimento. O autor chama, tanto
as realidades como a própria doutrina de “um sublime hedonismo superdesenvolvido
assentado sobre um solo completamente insalubre” (p. 27).
Além disso, o autor não visualiza na obra de
Cristo os conceitos de pecado, punição e recompensa. Nietzsche entende que a boa nova é o fim do
pecado. Assim, o objetivo da missão de Jesus é mostrar como se deve viver de
forma plena. A marca que deve distinguir o cristão é o seu estilo de vida e não
a sua fé. Para ele, o cerne do evangelho são os atos e não simplesmente o ato
de crer.
O que deixa o autor estarrecido é o fato de
que, antes, não se tinha uma sociedade esclarecida e, a seu ver, essas
conclusões não vieram à tona por questão de ignorância. Porém, a sua época é a
chamada idade moderna e, mesmo assim, tudo parece continuar como está. Dessa
vez, não por questão de ignorância, mas de falsidade. Nietzsche entende que o
homem já sabe que as ideias propostas pelo cristianismo são falsas. Mas mesmo
assim, permanecem declarando serem cristãos, mesmo não sendo, de fato, e
negando a religião através de seus atos. Para o filósofo, “o que era
antigamente apenas doentio agora se tornou indecente – é uma indecência ser
cristão hoje em dia” (p. 33).
Para o autor, o próprio termo Cristianismo
não faz sentido. pois, segundo ele, só existiu apenas um único cristão: o próprio
Jesus. Para ele, os primeiros cristãos não compreenderam sua mensagem, sendo
tomados por um espírito de ódio e vingança. Com isso, as ideias de julgamento e
recompensa precisavam ser enfatizadas no evangelho. Mais do que isso, para
Nietzsche é a partir deste ponto que entra a invenção da morte vicária de Cristo.
Para ele, tratava-se de um “paganismo apavorante” (p. 36).
Em suma, o autor vê na obra de Jesus aquilo
que chama de “um movimento de pacifismo budístico” (p. 37). Mas as deturpações feitas pelos
primeiros cristãos mudaram isso. Assim, para o autor os primeiros cristãos eram
mentirosos.
Buscando fundamentar a ideia de que os
evangelhos foram adulterados para acomodar as
ideias postas pelos primeiros
cristãos, o autor dedica um capítulo inteiro da sua obra transcrevendo
versículos, que possivelmente foram postos por eles para satisfazer suas
necessidades. Trata-se de cinco trechos do evangelho de Marcos (6. 11; 9.42; 9.
47-48; 9.1; 8.34), quatro trechos no evangelho de Mateus (7.1-2; 5.46-47; 6.15;
6.33); um do evangelho de Lucas (6.23) e um trecho de uma das cartas de Paulo
(1 Coríntios 6.2). Aliás, quanto a Paulo Nietzsche se refere a ele como o
portador da péssima nova, ou aquele que elaborou uma lógica do ódio. Para o
autor, ele possui grande responsabilidade na deturpação da obra de Jesus
Cristo.
São essas alterações ou deturpações que fazem
com que o cristianismo esteja desassociado da realidade, nas palavras do autor
(p. 43):
Uma religião como o
cristianismo, que não possui um único ponto de
contato com a
realidade, que se esfacela no momento em que a realidade impõe seus direitos,
inevitavelmente será a inimiga mortal
da “sabedoria deste mundo”, ou
seja, da ciência – nomeará bom tudo que serve para envenenar,
caluniar e depreciar toda disciplina intelectual, toda lucidez e retidão em
matéria de consciência intelectual, toda frieza nobre e liberdade de espírito.
O autor se arrisca a fazer uma releitura da
história bíblica do Genesis. Para ele, Deus
(o qual ele chama de “o velho
Deus”) cria o homem por estar entediado. Mas o próprio homem estava entediado.
Então, Deus cria os animais. Mesmo assim, ele continua entediado. Assim, Ele
cria a mulher, mas esta acaba sendo o meio pelo qual o homem tem o conhecimento
do bem e do mal. Isso para Deus é apavorante, na visão do autor. E esse pavor
pelo científico é o que ainda existe no meio sacerdotal. Portanto, para
Nietzsche, o Deus pintado pelo cristianismo quer a todo custo acabar com o
homem por causa do seu conhecimento adquirido.
É no Genesis em que há o início da ideia de
pecado e punição. Ao mesmo tempo, é de lá que se origina a o conceito de
salvação. E para que haja salvação, é necessário um Salvador! É aí que entra os
conceitos de graça, salvação e remissão dos pecados. O objetivo continua o
mesmo: deixar o homem dotado de conhecimento desprovido de seu intelecto e
mantê-lo preso tanto quanto for possível.
A grande força e inteligência do homem, segundo
o autor, estão no ceticismo. Assim, o homem cristão não pode ser elevado, pois
é um homem de convicção. Para Nietzsche, “o
homem de fé, o ‘crente’ de toda espécie, é necessariamente
dependente – tal homem é incapaz de colocar-se a si mesmo
como objetivo, e tampouco é capaz determinar ele próprio seus objetivos”. (p. 50).
O homem de convicção é, na visão do autor, um doente. Nas palavras do
autor (p. 46):
Nem todos podem ser
cristãos: não se é “convertido” ao cristianismo
– antes é necessário estar suficientemente doente... Nós outros, nós que
temos coragem para a saúde e para o desprezo
– temos o direito de desprezar
uma religião que prega a incompreensão do corpo! Que se recusa a dispensar a
superstição da alma! Que da insuficiência alimentar faz “virtude”! Que combate
a saúde como
alguma espécie de
inimigo, de demônio, de tentação!
Que se convenceu de que é possível trazer uma “alma perfeita” em um corpo
cadavérico, e que, para isso, inventou um novo conceito de “perfeição”, um
estado existencial pálido, doentio, fanático até a estupidez, a chamada
“santidade” – uma santidade que não passa de uma série de sintomas de um corpo
empobrecido, enervado e incuravelmente corrompido!
As forças que aprisionam o homem de convicção
são os conceitos criados pela religião cristã, tais como a “lei”,
a “vontade de
Deus”, o “livro
sagrado”, a “inspiração”. Assim,
o crente perde a convicção pelo prazer da vida, e se enche de calúnia e
degradação, além do desprezo que é dado pelo corpo mediante o conceito de
pecado.
O autor acaba fazendo ainda uma comparação
entre o cristão e o anarquista. Segundo ele, ambos se dedicam a destruição,
pois seus valores são os da decadência. O cristianismo tratou de destruir
aquilo que o autor considerava a base para um mundo mais elevado e nobre, a saber,
o império romano, e todas as suas conquistas culturais. Assim, seus atos são
degenerativos, a semelhança do anarquista.
Mas não foi só o Império Romano que o
Cristianismo conseguiu destruir. Na visão do autor, a renascença foi sufocada
por outro movimento cristão, que foi a
reforma protestante. Para Nietzsche, o renascimento estava trazendo de
volta os valores humanistas que deveriam
governar a humanidade. Mas quando esses valores estavam adentrando Roma, as denuncias
de Lutero, impediram essa continuidade.
Mesmo dando razão ao monge por sua denuncia a corrupção eclesiástica, o
autor não perdoa Lutero pelo mal o qual entende que este fez. Com a reforma, os
valores cristãos permaneceram em voga.
Dessa forma, o autor faz a sua conclusão como
se fosse um julgamento. Sua condenação é em relação ao cristianismo, dados os
seus diversos efeitos negativos que
causou a humanidade durante todos esses anos. A partir deveriam ser
criados novos valores para um novo tempo. Até o calendário deve ser mudado. Não
mais um calendário contado da data do nascimento de Cristo, mas agora um que em
que se conte a partir do dia em que todos os valores foram transmutados.
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