Vagabundo de Igreja

Sábado passado minha irmã e o marido dela vieram almoçar na minha casa. Era um dia muito chuvoso, como é de costume do inverno amazônico, e precisava estar às 14 horas na igreja para o ensaio do recém-criado coral. Por isso, pedi que minha irmã me deixasse de carro lá:

- O que você vai fazer a essas horas e nesta chuva? Disse o marido dela.

- Ele vai vagabundar na igreja, ora. Disse a minha irmãzinha querida.

É claro que maninha falou pra encher meu saco, mas, depois de pensar por alguns instantes, percebi que ela tinha razão, ou pelo menos já teve: EU SOU UM VAGABUNDO DE IGREJA. Mas será que eu SOU ou JÁ FUI?

Lembro-me que toda a minha infância é marcada pela figura da igreja. Começou com o pega-pega após o culto de domingo (aqui no Acre nós chamamos de brincar da “manja”); depois vieram as partidas de futebol aos sábados, os congressos, o envolvimento com a música, a proximidade com a Bíblia, o desenvolvimento do pensamento crítico, as amizades, as “paixonites” (quem nunca!), e assim fui caminhando e me envolvendo mais com o trabalho.

Da diversão fui me envolvendo no trabalho sério. Primeiro tesoureiro e depois secretário de espiritualidade de UCP’s (União de Crianças Presbiterianas); depois me envolvi entre os adolescentes; cresci a ponto de minha mãe deixar-me ir sozinho aos estudos bíblicos de igreja as quintas-feiras, já que ela trabalhava até tarde e não podia me acompanhar. A base bíblica pra mim foi de extrema importância.

O ápice da “vagabundagem” aconteceu nos meus 16 anos. Começamos um trabalho de reunião de oração todos os dias às 18 horas na igreja, e, além disso, uma atividade as 6 horas da manhã, onde não fazia nada a não ser chegar no templo, se ajoelhar, e ficar a sós com Deus. Aos sábados era o grupo familiar na casa dos irmãos Vancarlos e Rozinha, ainda no começo. Nesta época, também liderei os adolescentes a nível de presbitério e participava dos  ministérios de teatro e louvor. E mesmo quando não tinha nada, saía da escola por volta das 17h45min e passava na igreja pra ver se não tinha ninguém por lá assim... sem fazer nada, "vagabundando".

Mas já era demais e eu sabia que o tempo da "vagabundagem" iria cessar. E foi o que aconteceu. No ano do Terceirão e do vestibular eu tinha uma meta bem definida e estava confiante em conseguir, desde que me dedicasse. Pra isso, sabia que alguns sacrifícios deveriam ser feitos. Primeiro foram meus hobbies: xadrez e futebol, foram praticamente aniquilidados, salvos algumas exceções, é claro. Mas isso não era suficiente. A vagabundagem tinha que acabar, ou pelo menos ser diminuída.

Devidos as aulas no pré-vestibular a noite, não tinha tempo pra ir nas reuniões de oração. Também pelas aulas não dava pra ir aos Estudos Bíblicos da quinta-feira. O ministério de teatro também parou de funcionar.
Para atenuar o meu envolvimento nos estudos, este tempo foi um período de marasmo total na igreja. Meus amigos adolescentes ou se mudaram de cidade ou saíram da igreja. Uma crise de relacionamentos envolvendo Pastor, conselho e igreja e alguns membros atingiu a comunidade como um todo. Isso só fez me concentrar mais nos livros já que no meio daquela situação eu não sabia o que fazer.

E assim, consegui. Não só fui aprovado para fazer Economia na Ufac como também em concurso público. Primeira faculdade e primeiro trabalho com 19 anos. Nada mal! Mas os tempos de vagabundagem... ah os tempos de vagabundagem! Chegaram ao fim. Trabalhando durante o dia todo e estudando a noite era difícil fazer aquelas “visitinhas” na igreja ou na casa de alguns irmãos.

O tempo passou, virei diácono, depois fui ordenado presbítero, e mudei de emprego. Mas o tempo da vagabundagem, aquela vagabundagem... Nunca voltou.

Foi por isso que aquela expressão da minha irmã me fez pensar tanto. Ainda sou envolvido nas causas do reino. Tanto é verdade que, num blog que é meu, onde posso escrever o que quiser, a maioria das coisas que escrevo está relacionada ao cunho religioso. Contudo, nunca mais vai ser daquele jeito. Não! Aquele tempo não volta. Cresci, aprendi, conheci, errei bastante, me envolvi até demais, mas fiz o que pude e o que gostaria de fazer para a glória do Pai.

Tenho 20 anos apenas, e a carreira continua. Tem outros lugares pra testemunhar, ensinar, e viver. A vagabundagem está menor, mas o espírito de vagabundo de igreja estará presente sempre. Por favor, não sejam tão vagabundos quanto eu fui (sério!). A malandragem no meio da igreja também tem seus caminhos tortuosos e perigosos... rrsrsrs.

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